Sinopse
Menina Pastora Louca é um apelido que Laura Rosa recebe assim que decide
conhecer todas as religiões possíveis para tentar se encaixar em
alguma. Ela se mete com pessoas aparentemente gentis, mas começa a
perceber que não é seguro confiar demais em ninguém. Nem em si mesma.
"Todos estão jogando o seu joguinho aqui. Veja se ao menos dessa fase
você consegue passar".
Autora
A escritora Virgínia Cunha Barros nasceu em São Luís - MA e
atualmente vive em Belo Horizonte - MG, prestando serviço como corretora
de redações.
Desde muito cedo teve o gosto pela literatura estimulado, sendo
várias vezes reconhecida na escola como "leitora do mês" por frequentar
muito a biblioteca e ler livros todos os dias. Através de coleções como
Girassol e Vagalume, identificou-se várias vezes com os personagens de
diversos autores brasileiros, como Ganymedes José, Stella Carr, Rosana
Rios e Pedro Bandeira. Chegou a ler livros avançados para a idade, que
contribuíram de certa forma para seu aprendizado, embora não tivesse
maturidade para compreendê-los totalmente. Um exemplo é "Teleco, o
coelhinho" de Murilo Rubião.
Aos oito anos de idade, começou seu primeiro "caderno de histórias" e
ganhou uma máquina de escrever de brinquedo. Aos doze, foi incentivada
a escrever poemas por professores e logo passou a criar personagens e
histórias mais consistentes. Com o tempo decidiu reuni-las em cadernos e
se encorajou a digitá-las e posteriormente editar seus próprios livros.
E o que a Josy achou?
2° Livro Nacional de 2013. E que bela surpresa, hem?
Já ouviu falar em Virgínia Cunha Barros? Provavelmente não. Ela é
praticamente uma desconhecida dentro do mundo literário nacional, que cada vez
mais tem espaço para propaganda e publicidade, e cada vez menos para talento.
E isso ela é. Ela é um talento puro, já lapidado, já pronto para ser
descoberta e lido por todos. Sua narrativa é ácida, mas incrivelmente bem
montada. A história inteira é impecável, e dá de dez a zero em muito livro
internacional.
O preço pesa, afinal de contas, é clube de autores né? Mas por menos de
dez reais você compra o ebook (eu li em ebook e foi ótimo, mesmo sem o papel, o
texto é tão bom que no primeiro dia que peguei li 88 paginas em menos de uma
hora!)
Há algum tempo eu havia lido a sinopse do seu livro do Clube de Autores
e disse: “Caramba, algo original neste mar de mesmice?”. Levei um tempo, mas
enfim consegui ler a obra. E, nossa, a sinopse era apenas uma das facetas de
entrada do maravilhoso livro.
Menina Pastora Louca é uma história dividida em “partes” distintas, cada
uma contando a história de uma personagem. Eu senti como se fossem vários
contos, todos interligados pela ânsia e busca feminina de algo a que se
agarrar. A fé e o medo do desconhecido é o tema central do livro. Mas, se
engana se pensa que é uma história gospel. Aliás, o tom da autora é muito mais
sarcástico e cru do que doce. Por mais que o texto não seja desrespeitoso, as
escolhas baseadas em uma fé cega das personagens (especialmente a jovem grega
nova-cristã Ariadne) beira a loucura.
Ariadne entra em cena narrando à história de uma mulher na Roma antiga.
O machismo se mescla com a trajetória de alguém que busca paz interior, mas se
vê confrontada com o medo da perseguição e da punição. O encontro da jovem grega com Paulo de Tarso é
de arrepiar. Fascinada por ele, logo ela precisa anunciar o mundo tudo que
conheceu, causando nela e em seu ambiente uma mudança brusca. Ariadne sai de
casa, carregando a serva Sofia consigo, pronta para anunciar ao mundo as boas
novas. Porém, o que ela recebe é medo e perseguição, afinal de contas, a moça
se converte ao cristianismo praticamente na mesma época que Nero declara a
morte aos cristãos.
“O que doía mais era ver a criança. Não devia ter nem dez
anos de idade. A violência dos soldados não distinguia mulheres, crianças, nem
deficientes físicos, se houvesse algum ali.” Pag 104.
Bônus especial para a emocionante cena em que, pela primeira vez, ela
percebe que era má com Sofia, sua pobre serva. Dividir o pão, e as boas novas
com a pobre menina órfã foi uma das cenas mais lindas do livro.
“Jesus faz os olhos do cego se abrirem, faz o aleijado andar, e o surdo
escutar. Mas o maior milagre é mudar o coração das pessoas.” Pag 72.
Sofia, na segunda fase do livro, recebe a mesma importância que Ariadne.
Aliás, como não? A fé que ela teve era muito mais racional que a de sua
senhora, mas não menos corajosa e autentica. Sofia conseguiu evangelizar com muita força de vontade. Vem dela também uma leitura
histórica do que aconteceu com os apóstolos após Atos. Impressionante os
momentos históricos que eu conhecia de forma superficial sendo narrados por uma
menina que, ora temerosa, ora corajosa, tinha muito a demonstrar.
Assim que decide se tornar uma embaixadora da verdade, Sofia recebe a
companhia do irmão de sua senhora: Percival. O personagem, novo cristão, está
na viagem mais por Sofia do que pela mensagem. Ele foi covarde e racional a
maior parte do tempo, mas quando a coisa ficou preta mesmo, ele tomou uma
posição e protegeu a amiga.
O relacionamento deles transita entre um amor fraterno e talvez algo mais
forte, mas acredito que muito da paixão brotada foi abafada pelas diferenças.
Apesar de novo na fé, Percival respeitava a todos os credos, diferente de
Sofia, que de tão obcecada em sua religião, não conseguia ver humanidade em ninguém
que seguia outra doutrina. Talvez a exceção foi a doce Isis, que a conquistou,
assim como todos os leitores. Mas ambos conseguem conviver, chegam a um consenso e ainda produzem
fruto (quem lê, entenda..kkk)
Laura Rosa é a personagem principal (se é que pode se considerá-la
assim). A personagem é louca. Sim, completamente louca. Mas, uma loucura
atiçada pelo lixo de mundo que a cerca, incapaz de lhe dar respostas que tanto
anseia. Identifiquei-me muito com ela, completamente cansada e estafada de
tanta coisa, buscando na solidão e nos livros a paz que tanto tenta achar.
Nesse ínterim de incertezas, a garota é visitada por uma dupla de testemunhas
de Jeova, que começam um curso bíblico com ela. Ah, aqui entra as tiradas
inteligentes da autora, mostrando que nas pouca vezes que Laura queria ler as
Escrituras, era “direcionada” apenas onde interessava aos catequistas, etc.
Muitas pessoas odeiam a Bíblia porque conhecem dela apenas trechos
isolados. Porém, quando realmente estudamos, ficamos fascinados. Por favor, não
me entendam mal, não falo de crer. Tenho convicção que o próprio Deus aceita
sua fé ou a falta dela. O livre arbítrio é um dom maravilhoso e ninguém precisa
crer em nada nesse mundo, mas a simples menção histórica da Bíblia já é magnifica.
Voltando ao livro, percebi que Laura Rosa também foi “induzida” a
algumas coisas. No estudo com os TJ ela é confrontada com a frase de que Jesus
não é Deus. Porém na Bíblia, ao adorá-lo, Thomé o chama de Deus: “Senhor meu e
Deus meu. Jo 20,19-31” Dizem que ele só fala isso por estar surpreso(um sinal
de exclamação), mas os judeus jamais exclamavam o nome de Deus em vão.
Tão logo Laura começa a estudar a história Biblica, tão logo ela percebe
o comércio por trás.
“Pareciam querer mais vender Jesus, como verdura do dia.” Pag. 54
Esses pequenos buracos a fizeram ir atrás de mais. Pouco depois ela
conhece um rapaz evangélico, e se reúne ao seu grupo para mais estudo. Ela
acaba conhecendo uma daquelas igrejas vibrantes, que a seduz imediatamente. A
casca bonita consegue dominá-la de tal forma que ela, sempre tão desconfiada
com a intenção dos pastores, se vê dizendo a si mesma que num próximo culto
levaria todo o seu dinheiro para dar de dizimo. Porém, não por muito tempo. A
cada igreja nova que conhecia, conhecia ainda mais alienação e manipulação,
percebia mais a diferença religiosa (que exclui) do Cristo que “morreu
perdoando quem o matou” (pag. 161).
As tiradas sobre o que ela ouvia no grupo católico sobre Maria me fizeram
gargalhar.
“Maria é a esposa do Espírito Santo!”
“E quem casou os dois?”
(pag 170)
E a coragem dela em enfrentar os crentes que difamavam os espiritas:
“A doutrina espírita foi fundada por Allan Kardec, no século 19! Como é
que a Bíblia pode condenar uma coisa que nem existia quando foi escrita?”
(Pag. 207).
A autora foi genial nas comparações. Ela pega praticamente todos os
versos bíblicos que falam sobre espiritismo e faz perguntas referindo-se a
tradução. Vejam bem, a autora não defende o espiritismo, apenas indaga os
motivos para tanto ódio por parte do cristianismo.
Menina Pastora Louca traz
mais perguntas que respostas, fazendo pensar. E também traz a loucura da
protagonista vindo aos pontos, andando vagarosamente até nossa face...
Francamente, a gente nem percebe quando a protagonista se torna alguém demente.
Além das religiões tradicionais, Laura Rosa também estudou o espiritismo
e algo relacionado a sonhos (NUNCA TINHA OUVIDO FALAR). Com os olhos, aliás, bastante crédulos, afinal de
contas à mãe era espirita e ela não tinha um relacionamento exemplar com a
genitora.
Nessa fase do livro, algumas coisas são elucidadas, e sinceramente,
fiquei muito surpreendida. A autora conseguiu uma reviravolta de me fazer abrir
a boca, pasma.
Algumas pessoas podem ficar confusas com a linguagem liberal da Virginia
quando narra os eventos do passado, mas ela se assemelha muito a Scliar no
livro “A mulher que escreveu a Bíblia”.
Bom, de suma sobre o livro é: É o melhor livro que já li em anos. De
verdade. E olha que os livros que andei lendo ultimamente foram livros de
Marion Z. Bradley, Markus Zusak e John Boyne. Virginia é de um talento que precisa de mais espaço e de leitores (não fundamentalistas... muitos ficariam horrorizados com as perguntas que ela faz).
Enfim, para mim nota máxima para o livro. Não tenho NENHUM ponto negativo a destacar ou mencionar. Obra magnifica do começo ao fim.